segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Os Trapalhões: Nádia Lippi


Nádia Lippi
Atriz


Você atuou em dois filmes dos Trapalhões: O Trapalhão na Arca de Noé e O Casamento dos Trapalhões. Gostaria de saber como e em que circunstâncias surgiu o primeiro convite para trabalhar como o grupo.
Tive, sim, esse privilégio! O primeiro convite surgiu de um antigo desejo meu e também – eu acho – porque estava mais próxima do Renato Aragão, pois minha filha Thalita sempre foi amiga de Juliana, a filha mais nova de Renato. Foi em meio a uma “crise trapalhona”, quando eles se separaram. No elenco também teve Sérgio Mallandro, Fabio Villa Verde e Gracindo Jr. Lembro bem que Renato se emocionava, com cada conversa sobre a crise. E todos à volta falavam que era só mais uma crise, e assim foi. Fiquei muito feliz, quando eles se reuniram novamente.

Quando acontecia essas conversas sérias? Que Renato falava sobre o rompimento com Dedé, Mussum e Zacarias?
Bem, eu sei que posso classificar de papo sério, pois sempre começava, quando alguém da locação ou do hotel ou do restaurante falava: “Oii, Didi. Cadê o Dedé? Vocês não podem se separar, hem!” Ou, então, uma criança (elas amavam o Zacarias) dizia: “Oi, Didi... O Zacarias num tá aí? Ele tá de mal de você?” Eu presenciava essas coisas. E, daí, eu via um Renato cabisbaixo, acho que pensando na situação e no público principalmente, o infantil... Ele não verbalizava nomes, e sim situações como essas, que traziam à tona a separação recente e tão comentada pela mídia, ainda mais com dois filmes paralelos em andamento.

Diziam que Renato era mais ligado ao Zacarias e Dedé ao Mussum. Isso procede?
Acho que não... ou eu nunca soube de fato. De personalidades mais parecidas, talvez sim, pois Renato na vida real é contido, beira a timidez acredite; e o Mauro (Zacarias) também era assim. E o Dedé e o Mussum eram duas crianças, quando juntos. E eram de falar muito; e eu, que também sou, me divertia um bocado! Analisando assim, talvez esses boatos fossem reais; mas não posso afirmar.

Renato Aragão disse que O Trapalhão na Arca de Noé foi inspirado em Os Caçadores da Arca Perdida, de Steven Spielberg. Você se recorda dessa referência?
Sim. Lembro bem, mas não acho que foi por esse caminho. Acho que se tentou; mas foi para outro lado, talvez pela falta de recursos técnicos e a pressa. Sempre a pressa.

Havia pressa de entregar o filme e levá-lo ao cinema? A que tipo de pressa se refere? Tempo curto para filmagem? Pouco dinheiro?
Nãooooo... Nada disso... Apenas porque num set todos, todos e sem exceção, todos sempre têm pressa! Mesmo um filme dos Trapalhões é regido por um roteiro, com datas, custos, como qualquer produção. Tambem a Mãe-Natureza contribui, pois ela pode surpreender com mudanças de clima repentinas e, no caso do primeiro filme, com as famosas chuvas do Pantanal e com a luz de sol que caía atrás das montanhas, lá na fazenda . Não dá pra fazer uma mesma cena com minutos com sol e depois com sombra! Acho também que nenhum filme brasileiro tem dinheiro demais! Ao contrário, sempre tem de menos, ou pelo menos na minha época era assim. Tomara que hoje, com essa explosão do cinema nacional e investidores, tudo isso tenha mudado! Renato com sua produtora, a R. A. Producões, deu emprego a muitos na época da “seca” da Embrafilme! Pelo menos, era o que eu escutava da equipe técnica no set.

Quais são as suas lembranças dessa produção? Onde foi filmado?
Nossa... eu tenho mil e muito divertidas.

Poderia relatar algumas?
Filmamos em Goiânia, numa pousada cheia de águas térmicas... e sapos!! Pode rir, pois eu tenho trauma de sapos. E, à noite, o que mais tinha no caminho do bangalô em que eu ficava até o hotel eram muitos sapos!!!! Lembro da equipe inteira indo e vindo entre sapos... E também me marcou muito a cena em que eu estava sentada na porta de um avião lá no céu, amarrada por trás pelas costas, enquanto outro avião nos filmava. Eu fazia uma paraquedista (eu morria de medo). É claro que havia uma paraquedista de verdade. Na hora do salto, ela tomava meu lugar. Thalita estava comigo nessa locação, e foi bem legal. Depois, fomos para o Pantanal, o que foi uma realização pra mim, que não o conhecia. Ficamos acho eu num lugar chamado Fazenda Santa Rosa. Uma fazenda à qual só se chegava de avião (hidroavião) ou barco. Os caminhões de equipamento demoraram semana pra chegarem lá. Era um lugar lindo e tinha de tudo... Mas também havia grades nas janelas dos bangalôs, por conta de onças; e telas, por conta de bichos como cobras, aranhas etc. A comida também era típica... sopa de piranha, espeto de paca, galinha do mato. Nas filmagens, eu usava um mosquiteiro por debaixo do chapéu, por conta dos mosquitos. Eu sou alérgica a mosquitos. Enfim, era tudo muito engraçado. Fui e voltei de avião “pequenino” com Renato e me divertia porque os dois tinham medo do avião!! Lugar incrível. Filmagens pelos rios cheios de piranhas... mas foi maravilhoso tudo! Nossa, falei demais!!

Os filmes dos Trapalhões sempre foram um sucesso de público, O Trapalhão na Arca de Noé teve um público aproximado de 2.850.000 pessoas. Como eram as expectativas diante desse filme?
Acho que muita gente queria saber como era o Didi Mocó sozinho. A mídia alardeou muito a separação deles! Daí, eu acho que a expectativa não era só de crianças que os acompanhavam... e sim das famílias inteiras. Devido à separação.

Como foi para você estar no meio dessa separação? Como se envolveu ou procurou se afastar dessa polêmica?
Eu ? Não, eu não participei, não... Longe disso. Apenas fui chamada pra fazer o filme de Renato sozinho. Aliás, eu tentava nem falar sobre isso. O público é que puxava isso à tona. Longe de mim me envolver. Até porque, como era um casamento essa parceria, eu lembrava-me sempre do ditado popular que diz: “Em briga de marido e mulher, ninguém deve meter a colher.” Mas foi só uma crise... que passou rápido, ainda bem pra todos nós !

Esse filme foi feito durante a separação dos Trapalhões, que durou apenas seis meses. Dedé Santana, Mussum e Zacarias fizeram o filme Atrapalhando a Suate. Havia competição entre os dois filmes?
Não chamaria de competição. E sim de tristeza, que detonava um processo de mostrar que um não precisava dos outros e vice-versa. Eu sempre tive amizade e muito carinho por todos e não estive com Dedé, Mussum e o Mauro. Mas sei que ninguém estava feliz. Casamento antigo e parceria de décadas. Foi só uma crise conjugal.

Houve mesmo uma competição nesse período?
Competição eu não diria, mas uma tentativa de mostrar que poderiam se sair bem sozinhos, sem a parceria. Numa hora dessas, as pessoas ficam “mordidas”; mas lá no fundinho acredito que batiam incertezas!

Como sentia o desempenho de Renato Aragão durante as filmagens? Estava abatido, triste, com a separação?
Renato nunca é ou era triste. Ele é alto astral sempre. Mas nos papos mais sérios a respeito, ele se emocionava. Os olhos dele iam pra longe, ao falar sobre o assunto. Fiquei feliz demais, quando soube da volta!!

Podemos classificar como tristeza e não raiva o que Renato sentia?
Raiva nunca sentiu mesmo! Talvez incompreensão, surpresa da situação.

Fale sobre o trabalho do diretor Del Rangel, nesse filme.
Del sempre muito calmo e muito atencioso. Ele sabia exatamente o que queria; e eu só o via irrequieto, quando algo não dava certo em relação ao lugar. Porque, ao filmar em locação, você tem interferências da natureza. Era um tuiuiú que gritava demais. Eram mosquitos que entravam na frente da lente. Mas coisas normais de qualquer set.

Você trabalhou com o ator Carlos Kurt. Como foi trabalhar com ele?
Nossa! Eu o conhecia desde criança! Um lorde inglês. Educadíssimo, um verdadeiro gentleman e muito ligado a cada gesto! Um grande ator que fez carreira também colada à do Renato. Lembro-me bem dele nos sets e também o achava tímido. O vilão que ele sempre fazia não existia na vida real.

Renato Aragão tem como característica o perfeccionismo no seu trabalho. Ele acompanha todos os detalhes do filme. Como foi trabalhar com ele?
Renato, pra mim, sempre foi amigo mesmo. Quando filmávamos juntos, era sempre ele que passava na minha casa pra me pegar. Então, além das filmagens, tínhamos tempo de papear no trajeto. E eu até frequentava a casa dele como amiga!

O Casamento dos Trapalhões foi baseado no filme Sete Noivas para Sete Irmãos, de 1954. Como surgiu, depois de cinco anos, o convite para trabalhar com o grupo?
Hum. Esse filme foi incrível de fazer. Mas, quanto ao convite, vamos lá. Nessa época, eu já estava afastada da tevê, mas a amizade continuava. Na época, escutei que quem iria fazer o filme na verdade era a Regina Duarte mas que acabou não podendo. E, aí, sobrou pra mim. E amei. É claro!!! E até me senti lisonjeada, por ter sido a substituta.

Nesse filme você faz o papel da mocinha principal, par com Renato Aragão. Quais as suas recordações desse trabalho?
Uau! Esse filme foi uma mega produção e uma alegria! O clima era absurdamente contagiante, pois, além de Renato muito feliz, Mussum, Dedé e o Mauro. Nossa! Que fase linda deles.
Eu ria muito; e a equipe, os atores, todos nós tivemos um real “casamento”. Parecia que tudo dava certo de primeira, não havia clima ruim. E as cenas eram verdadeiras terapias. Cada uma delas era curtidíssima! Filmamos também no estúdio onde foi montada uma cidade!! Um luxo de produção... Um banho mesmo! Foi um mês, eu acho, de muito prazer. E, no final das filmagens, teve um mega churrasco lá em Paciência, na Zona Oeste, onde filmávamos. Deixou muita recordação pra nunca esquecer. Nunca mesmo! Uma aula de convivência em set!

Renato sempre comemorava com churrasco a finalização de seus filmes?
Acho que não. Esse churrasco foi oferecido pelo dono da fazenda, que, pra minha tristeza, matou um boi bem ao lado das filmagens. E eu presenciei... sem querer. Fiquei bem mal, até! Nem consegui comer. Coisas da vida, eu sei. Mas me chocou. Nos dois filmes que fiz, só esse teve essa celebração. E eu até levei meus filhos para conhecerem os garotos do Dominó.

Ele foi filmado em qual fazenda?
Não me lembro o nome, mas era em Paciência. E garanto-lhe: era um lugar de sonho e bem pertinho aqui do Rio.

Fale sobre o trabalho do diretor José Alvarenga Júnior, nesse filme.
Bem... o Alvarenga é muito gente boa. E como diretor não foi diferente. Entrou no clima do quarteto alegria e se divertia muito também. Aliás, ele fez do set uma festa. E tinha, sim, que brigar com a gente em cena, porque às vezes o riso não dava pra ficar preso. Foi muito legal trabalhar com ele. Eu amei!!

Nesse filme, você trabalhou, pela primeira vez, com os quatro integrantes juntos. Como foi a sua relação de convivência com os quatro atores, durante o período de filmagem?
Comparando com a experiência do anterior, tudo foi mais intenso!! Aprendi muito com cada um. E definiria assim: com Renato, a obstinação e a responsabilidade para com o público infantil; com Zacarias, o profissionalismo e a capacidade de se transformar em segundos; com Dedé, doçura e um lado infantil que dava vontade de pegar no colo; com Mussum, uma lição de alegria constante e amor à música!! Quatro pessoas, quatro personalidades que se entrelaçavam em nome de um trabalho. Lições pra vida !

Muito se fala que havia ciúmes entre Os Trapalhões. Chegou a detectar isso?
Ciúmes? Claro que não! Eles competiam, sim; mas na dedicação e na graça!

Esse foi um dos últimos filmes dos Trapalhões em sua formação original. Você tinha planos de continuar a filmar com eles? Apareceram outras oportunidades?
Não. Planos nunca fizeram muito parte da minha vida. Vivo um dia de cada vez, pois acho o viver uma bênção divina! O que vier eu traço com a maior gana! Adoro viver, pra poder usufruir o que a vida me manda de presente!

Quais são as suas lembranças de trabalho com o grupo Dominó nesse filme?
Nossa! Meninos encantadores, cada um com suas características. Afonso era um cavalheiro. Aliás, todos. Nill era o mais espivetado. Todos umas graças e com talento. Não entendo porque pararam e até gostaria de saber deles.

Como era a convivência com a equipe (técnicos, atores etc.) fora do set de filmagem?
Ah... eu sempre fui chegada ao pessoal... simples e super profissionais. Sempre me dei bem com todos, não só nesse filme, como na TV Tupi, na TV Globo, na TV Manchete e por onde trabalhei. Eles são os responsáveis por tudo que vai pra frente das lentes das câmeras. Como não respeitar e valorizar cada um?

Percebia algum tipo de intimidação por parte de alguns atores diante do quarteto?
Nunca... Eles faziam de tudo para que isso não rolasse. O quarteto era sabedor de uma magia que igualava todos... sempre. Não eram “estrelas”!!

Você mantinha contato com eles, após os trabalhos? Fez amizade com algum deles?
Eu era mais chegada ao Renato. Mas acabei também me afastando, pois a vida me mandou pra outro lado. Reencontrei-me há pouco tempo com Marta, a primeira esposa de Renato e foi uma alegria... Mas, fora isso, nunca mais tive contato algum. Lamentei muito a partida de Mauro e depois de Mussum... Mas tenho certeza de que, seja lá onde estiverem, eles ainda se lembram de mim. Os quatro sempre foram um presente pra mim!

Os Trapalhões: Neila Tavares


Neila Tavares
Atriz


Você atuou no filme Bonga, O Vagabundo. Como e por quem recebeu o convite para atuar nesse filme? Como foi a experiência?
Não tenho hoje uma lembrança muito clara. Mas eu protagonizava uma novela na extinta TV Tupi, Enquanto Houver Estrelas. Acredito que tenha sido por esse caminho.

Bonga, O Vagabundo é de 1971 e estrelado apenas por Renato Aragão. Quais as suas lembranças dessa fase pré-Trapalhões?
Renato sempre foi competentíssimo, afetuoso, engraçado, romântico, decente... Talvez seja esse o carisma do Didi. Didi é o Renato.

Renato Aragão já sinalizava, naquela época, a intenção de formar um quarteto?
Bem, antes do quarteto, foi a dupla Didi e Dedé, né? Não sei se já pensava nisso. E a verdade é que em filmagem, no ritmo em que Victor Lima filmava, não se tinha muito tempo de conversar, trocar ideias... Mas o que posso dizer é que no segundo filme que fiz com Renato, Ali Babá e os Quarenta Ladrões, já era a dupla Didi e Dedé.

Bonga foi dirigido por Victor Lima, um dos mais experientes diretores com quem você já trabalhou e que, nas suas palavras, foi também o artista que influenciou toda a sua vida. Gostaria que falasse sobre ele.
Victor Lima era um mestre. Dirigiu mais de cem filmes e tinha um domínio absoluto de seu ofício. Nunca se irritava, nunca perdia o humor... dirigia brincando, filmava com uma rapidez impressionante e uma competência de tirar o chapéu. Não fazia mistério, não fazia pose de diretor... E o respeito da equipe por ele era absoluto. Victor Lma fazia um plano de filmagem que parecia impossível de ser cumprido. Com cinquenta tomadas num dia, e ainda com cenas de ação. Tudo acontecia na hora certa, sem espera. Era um plano perfeito, com opções de interior e exterior (caso a luz do dia não fosse boa para exterior). A luz era montada no tempo certo, chegavam os atores; e as coisas aconteciam, sem as esperas de hoje. Diz-se agora que, para o ator, o cinema é a “arte da espera”. E, muitas vezes, quando acabávamos, ainda havia luz.

Poucos conhecem a história e trajetória de Victor Lima. Na sua opinião, qual a razão disso?
Talvez porque fizesse filmes comerciais, para grandes plateias. Era o que gostava e o que queria. Não se arvorava de grande artista, não tinha pretensão nenhuma de fazer “filme de arte”. Só queria fazer benfeito o que fazia. Era um contador de histórias. Em Ali Babá, além de fazer o primeiro papel, eu também fui assistente de direção. E ali é que eu tive a oportunidade de aprender mais sobre cinema que em todo o resto da minha vida. Aprender com Victor Lima. As equipes eram muito pequenas naquele tempo. Só havia um assistente de direção, que muitas vezes se encarregava também da continuidade de cena, como foi nesse caso. Não havia os diretores de arte, os foquistas, os preparadores, essas centenas de especialidades... Então, trabalhamos muito estreitamente.

Victor foi o primeiro diretor do Renato. A escolha foi do Renato? Como se deu esse convite?
Não sei responder a isso. Quando cheguei, Renato e Victor já estavam fechados nessa parceria. Já vinham trabalhando há meses no projeto do filme, no roteiro.

Bonga, o Vagabundo foi filmado onde?
No Rio de Janeiro. Muitas locações. Mas todo no Rio.

Lembra em qual bairro? Região?
Se não me falha a memória (ela já falha com facilidade), entre São Conrado e Barra da Tijuca (RJ). Pelo menos, minha parte foi filmada por ali.

Como foi a sua participação no filme? Como compôs a sua personagem?
Com Victor Lima, as coisas eram muito simples: ele passava o que queria do ator, explicava a cena, fazia um ou dois ensaios e, pronto, ação. Na maioria das vezes, valia de primeira, a não ser nas cenas mais complicadas, com muita gente e muita ação.

Quais as lembranças de bastidores do filme? Como foi o seu contato com Renato Aragão?
Renato brincava o tempo todo com a equipe, com a direção, com os outros atores... Victor Lima também tinha muito humor e entrava na brincadeira. A equipe se divertia muito, na filmagem, nas pausas para almoço ou na volta pra casa. O tempo todo. Trabalhávamos brincando. Renato é generoso, gentil e muito, muito amoroso.

Esse filme foi realmente inspirado no vagabundo Carlitos, de Charles Chaplin?
Com certeza. Por isso, falei antes do romantismo de Renato. Bonga foi criado para ser um tanto romântico, ter um apelo afetivo, emocionante, sem prejuízo da comédia. Renato queria, na época, que Bonga fosse um personagem recorrente: as mesmas características, sempre com aquela roupa, em diferentes filmes etc... Inspirava- se, sim, em Chaplin, conscientemente e disso falou muitas vezes na filmagem.

Que ele falava exatamente?
Trabalhava-se intensamente e conversava pouco, só no almoço ou lanche. Mas ouvi de Renato isso, que o Bonga era um primeiro movimento de um personagem para o qual tinha um projeto maior, de mais filmes, e que sua inspiração era Chaplin.

Renato, muitos anos depois voltou a usar o apelido Bonga em seu programa semanal na Rede Globo, no quadro “Vila Vintém”, dado o seu apreço pelo personagem. Recorda-se?
Vagamente. Na época, eu trabalhava muito e pouco via televisão.

Um anos depois, em 1972, você volta a repetir a parceria com Renato Aragão e Victor Lima, como surgiu o segundo convite para trabalhar. Dessa vez em Ali Babá e os Quarenta Ladrões?
Consequência de meu trabalho no Bonga.

Renato gostava de trabalhar com amigos. É isso?
Não. Eu não fiquei amiga de Renato. Eu tenho certeza de que nos identificamos, que tivemos uma grande empatia... E poderíamos ter sido grandes amigos, com certeza. Se fôssemos amigos, seríamos dos grandes. Mas em nossa profissão é assim: convivemos com um grupo naquele filme, naquela peça. Aí, termina; vamos fazer cada um outro trabalho, com outras pessoas com às quais agora conviveremos. Às vezes, nunca mais voltamos a encontrar aquele ator ou diretor ou fotógrafo; ou talvez o reencontre imediatamente amanhã em outro trabalho, ou daqui a cinco anos... Nunca mais vi Renato ou Dedé ou Victor Lima Só lembro de ter ido uma única vez à casa de Renato, durante um desses processos. E, quando soube da morte de Victor Lima eu só pensava: “Puxa, eu gostaria de terlhe dado ainda pelo menos mais um abraço.” Nem sei se foi Renato ou Victor quem lembrou meu nome para o Ali Babá.

Esse filme já conta com a participação de Dedé Santana. Quais as mudanças que ocorreram com a chegada dele?
Poucas. Didi já não era Bonga, era Didi. Não era mais o vagabundo, mas tinha o mesmo clima de uma história de amor; ele sempre se dando mal no final, mas sem perder a graça.

Quais as semelhanças e diferenças que você encontrou entre Renato e Dedé?
O trabalho era intenso no filme em que eu era atriz principal, assistente de direção, fazendo continuidade de cena. Foi minha primeira e única assistência de direção. Oportunidade que o velho Victor Lima deu a uma jovem atriz com sede de aprender cinema... Eu só posso falar então disto: de Renato e Dedé em trabalho. Um trabalho de muita harmonia. Renato sempre teve a liderança, é natural dele, e os grupos de trabalho precisam ter um líder, alguém que toque, que faça, que resolva, que decida, que levante a bola, que levante o moral da turma quando este fica baixo. Mas ele é tão vocacionado para a liderança que fazia isso sem imposição, sem atritos, uma liderança de parceiro mesmo. Ele é parceiro de verdade dos que trabalham com ele. Dedé e Didi são dois clowns. E as boas duplas de clown são aquelas: em que os clowns têm temperamentos diferentes e às vezes antagônicos; e as que têm um clown dominante e um clown escada”, que é o que prepara a piada que será finalizada pelo outro. Dedé sempre foi “escada”, por natureza, por temperamento, por registro de ator (atores têm registro, assim como na ópera há tenores, baixos, e papéis para cada um)... É ali, nesse lugar, que Dedé é inigualável, magnífico, essa figura histórica... Mas, nas duplas de clown, o “escada” não é, como às vezes se pensa, menor que o clown dominante. E o dominante não sabe ser “escada”, que é um trabalho muito especial e específico, que exige técnica, precisão, atenção, carisma... O clown dominante depende do “escada” para que sua graça funcione; e o outro, dele. Esse era o jogo que vi dos dois. Como dois trapezistas, não há um mais importante que outro. Renato sempre foi o clown dominante na dupla, além de líder; e Dedé, o “escada”.

Renato e Dedé sempre estavam em sintonia, formando uma parceria ideal. Você concorda com isso?
O que pude ver é que Renato tinha muito prazer em trabalhar com Dedé. Uma cumplicidade cênica muito grande. Parceirões, os dois. Um jogo que chegava a ser emocionante, para quem olhava de fora. Combinavam a cena e lá iam eles.

Eles não obedeciam muito o roteiro?
Sim e não. Os dois entravam no set com o texto na ponta da língua, prontos para filmar, na hora certa, e de bom humor às seis ou sete da manhã. Então, ensaiavam. Na hora da cena ou entre uma e outra, um chamava o outro num canto com uma ideia para a cena. Acertavam, levavam a proposta para Victor, o terceiro parceiro no caso, que sempre se divertia muito com o que os dois traziam. O Victor também era conhecido pelo seu refinadíssimo humor... Victor fazia mais algumas sugestões, encontrava a solução cinematográfica e chamava Antônio Gonçalves, diretor de fotografia, que também sugeria outras coisas e, rapidamente e divertidamente, ajustava câmera e luz... e filmava-se. Com respeito ao roteiro e sem atrapalhar o plano de filmagem. Tudo muito rápido. Era um trabalho de equipe, em que todos tinham espaço para inventar, sugerir.

Renato costumava parodiar filmes estrangeiros de sucesso ou adaptar clássicos da literatura. Em Ali Babá, ele usa esse artifício. Que acha dessa diretriz que ele seguiu em seu cinema?
Acho bacana. É uma linha que me agrada, essa de trabalhar sobre mitos, sobre histórias que já estão no inconsciente do público.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo? Ele participava da escolha do elenco?
Sim, perfeccionista demais. Ele gosta de precisão no que faz. Brinca. Brinca; mas é um profissional seríssimo, preocupado em dar o melhor de si, trabalhando junto com a direção. Nunca o vi fazer uma imposição, mas sim colaborar, de forma muito atenta, muito participativa no filme inteiro

Como foi a sua participação no filme. Como compôs a sua personagem?
No Ali Babá era engraçado: eu sentava na cadeira de rodas, fazia a cena, depois corria para anotar a continuidade, reunir os atores no set de filmagem, discutir com Victor as necessidades da próxima cena a ser filmada e de novo sentava na cadeira e voltava à trapezista como atriz...

Em Ali Babá, Wilson Grey fez uma pequena participação. Que tem para falar sobre ele nesse filme, em especial?
Bom, Wilson Grey era tudo aquilo que a gente sabe. Um ator especialíssimo. Trabalhei com ele também no teatro, em A Falecida, de Nelson Rdrigues. Era igualzinho dentro e fora de cena. Era um ator único, uma graça. Chegava já com sua roupa de filmar. O figurino era dele, pessoal; não gostava da interferência do figurinista. Nunca mais o cinema produzirá nada parecido.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Acho que isso está mudando. Já fui procurada por pessoas que faziam teses de pós-graduação sobre Os Trapalhoes. Um preconceito que havia com o cinema de grandes plateias, assim como havia no cinema e no teatro o preconceito com a televisão.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Eu tenho o maior orgulho de ter participado dessa história. Comercial? Ótimo. Precisamos fazer a formação de plateias, de criar o hábito de ir ao cinema, de ver filmes nacionais... Um cinema feito para grandes plateias, feito com a maior competência, o melhor acabamento... e muito brasileiro.

Gostaria que falasse o que aconteceu para que você e Victor Lima não trabalhassem mais com Os Trapalhões no cinema. J. B. Tanko iniciou, então, uma longa parceria com Os Trapalhões; e você não atuou mais com eles...
Eu nunca mais encontrei Victor Lima, nem Renato (nunca mais nos cruzamos) e por isso não sei lhe dizer. Tanko trabalhava numa linha semelhante à de Victor, e era tão competente quanto... E acho que, para Renato e Os Trapalhões, o melhor mesmo era mudar de atores e de direção, variar, respirar outros ares, explorar outros talentos... Mas, se um dia Renato me chamar outra vez, largo o que estiver fazendo e vou correndo.

Que representa para uma atriz trabalhar em um filme dos Trapalhões?
Olha, eu gostei tanto daquilo tudo! O clima era tão bom, era tudo tão direito, tão limpo, tão fluente! Eu já tinha feito coisas com diretores de Cinema de Arte, se se pode mesmo separar um cinema do outro... E as coisas eram arrastadas, a criação era meio torturada, sofria-se muito naquela época. Bom ator, bom intelectual, bom diretor devia ser sofrido... Coisas da época. E apendi ali que nossa profissão é lúdica e que, quanto mais você se divertir fazendo, melhor fica o trabalho. Para mim, essa é uma página bacana de minha biografia. Meu olhar, de hoje, é amoroso, grato.. e mais não sei. Se sabíamos que fazíamos um filme histórico? Eu não tinha a menor ideia. E, até hoje, apesar de toda a minha experiência, quando faço um trabalho, nunca sei se ele vai morrer ou ficar. Talvez Renato, que é um visionário, tivesse; não sei.

Os Trapalhões: Monique Lafond


Monique Lafond
Atriz


Quando foi seu primeiro contato com Os Trapalhões? Conte um pouco de suas lembranças dos filmes do quarteto que tiveram sua participação. Fale também sobre o Carlos Kurt.
O primeiro contato que tive com Renato Aragão foi em 1971, no longa, Bonga, O Vagabundo. Eu fazia uma figuração, estava começando no cinema... Passei a fazer os filmes dos Trapalhões a convite do diretor J. B. Tanko. Eu já havia trabalhado com o Tanko antes, em 1972, em Salve-se Quem Puder – Rally da Juventude, um filme para jovens. Eu consegui surpreendê-lo; e foi até aumentando o meu papel, durante as filmagens. Eu era esperta, topava tudo, sem frescuras. Fazer filmes, naquela época, era uma loucura. Em virtude do baixo orçamento, tínhamos que ter uma disciplina enorme com horários e disponibilidade! Tanko tinha um humor negro, eu adorava! E trabalhava com um pequeno chicote nas mãos e brincava com a gente, era super disciplinado. Ele sempre dizia que, se a gente não trabalhasse bem, ele ia colocar um cachorro fazendo a cena. Ríamos muito!! Ele, com aquele sotaque de gringo, era um fofo. Trabalhar com o Kurt também era maravilhoso!!! Naquela época, não havia concorrência, a gente sempre conseguia estar trabalhando com alguns atores repetidamente. O mercado de trabalho era outro. O Kurt sempre fazia meu pai, tinha uns olhos azuis lindos. Não fiz mais filmes dos Trapalhões por que estava virando uma “Trapalhona”. Já no quinto filme, eu declinei do convite. Achava que eu poderia ficar marcada como uma “Trapalhona”. Agradeço – e muito! – a oportunidade. Devo muito aos Trapalhões. Os atores tinham preconceito de fazer humor. Quem fazia humor não fazia novela. Daí, algumas atrizes passaram a me ligar, querendo saber como era trabalhar com eles. E eu fui falando que elas só tinham a ganhar. Pronto! Foi show! Todas as estrelas, então, queriam participar dos filmes. A plateia de criança é a plateia mais honesta que existe. Sou cria do cinema nacional, muito graças aos Trapalhões, às crianças e aos papais das crianças.
Não se ensaiava muito. Era muito em cima dos improvisos, que iam nascendo; daí, virava outra cena !!! Tem uma cena no filme Os Trapalhões nas Minas do Rei Salomão, filmado grande parte no Parque Lage, aqui no Rio, em 1975. Nessa cena, eu, Mussum, Dedé e Renato tínhamos que atravessar para o outro lado de um lago, usando como ponte uma árvore tombada. Esse lago fazia parte da trama. Quem caísse nele virava criança. O Renato tinha que cair e eu também... Nós não conseguíamos fazer a cena de tanto rir. Fazia um frio de rachar. Mussum e Renato tomaram um golinho de um “”, para aquecer. Daí, já viu! Só gargalhadas... E o Mussum, com seu carisma e alegria, contagiava a todos !

Quais as suas lembranças do filme Aladim e a Lâmpada Maravilhosa? Onde esse filme foi filmado?
Foi filmado em Miguel Pereira, na serra do Rio de Janeiro, em 1973. Geralmente, ficávamos em locação, fora de casa. Era contratada uma cozinheira, ótima, uma negona, comida caseira. Todos comiam de tudo, sem frescura. Eu engordava bem!!! Fui uma menina moleque, sempre me jogava por inteira. Era mais uma na trupe!

Em 1973, aconteceram as filmagens de Robin Hood, O Trapalhão da Floresta. Como foi?
Foi filmado no Recreio dos Bandeirantes. Ali, eram só dunas. Não tinha nada. Não tinha nem o nome de Recreio, era Barra da Tijuca. O J. B. Tanko sempre escolhia as locações, junto com o diretor de fotografia.

A crítica classifica esse filme como um dos melhores.
Ninguém ia ao cinema nacional, havia um preconceito naquela época. Mas os filmes infantis arrebentavam. O Tanko (por também ser o produtor) me pedia; e lá ia eu fazer as campanhas de lançamento dos filmes dos Trapalhões. Às vezes, ia sozinha, pelo Brasil. A finalização de um filme era muito trabalhosa, naquela época. Não havia som direto. Depois de tudo filmado, dublávamos tudo, trancados em estúdio. Hoje em dia, é maravilhoso, com som direto. O trabalho do dublador é mais difícil que o do ator. Havia atores que não conseguiam se dublar. Eu amava!

Fale de Renato.
Renato sempre fazia o gol, era muito bem calçado.

Fale de Dedé.
Escada”, puta de um “escada”. Escrevia muito e sabia levantar a bola!

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Ele escolhe o elenco, faz tudo. Ele se metia, porque criava junto. Não se ensaiava muito, era muito em cima dos improvisos, que iam nascendo; daí virava outra cena!!!

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
O Brasil tem preconceito com o humor. Hoje, isso está mudando. O Chico Anysio morreu, o Jô Soares parou de fazer humor. Os programas de humor mudaram seu formato. Eu me lembro de uma época em que, se voce fizesse programa de humor, não era chamado para fazer novela! Então, ninguém queria fazer humor, mas eu fazia!

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Foi maravilhoso. Até hoje, tenho fãs graças aos filmes para crianças. Só mais tarde, percebi que ter trabalhado com Os Trapalhões era trabalhar com meu público de amanhã. Você fica no imaginário das crianças.

Os Trapalhões: Mauro Wilson


Mauro Wilson
Roteirista


Você construiu uma trajetória profissional sólida com Os Trapalhões. Antes de trabalhar com eles, já acompanhava o programa na televisão e os filmes deles no cinema? Se sim, qual era a sua opinião a respeito deles?
Totalmente. O meu pai, Mário Wilson, escrevia esquetes para o programa de tevê. Eu adorava tanto os filmes quanto o programa de televisão. Os Trapalhões eram os meus comediantes preferidos.

Como surgiu a oportunidade de trabalhar com Os Trapalhões?
Logo após a morte do meu pai, Walter Lacet, o diretor geral da linha de shows, estava procurando novos roteiristas para o programa dos Trapalhões. Então, eu e Paulo Andrade, meu parceiro também nos roteiros dos filmes, mandamos vários esquetes para ele. Lacet mandou para o diretor do programa Wilton Franco; e nós fomos aceitos.

Os Heróis Trapalhões – Uma Aventura na Selva foi seu primeiro filme com Os Trapalhões. Esse convite foi a grande oportunidade profissional?
Sim. Eu sempre sonhei escrever para o cinema. Foi o Wilton Franco que chamou a gente, eu e o Paulo, para trabalhar no roteiro. Já existia um roteiro. Nós trabalhamos em cima desse roteiro, junto com o produtor do filme, Cacá Diniz.

Naquela época, que representava trabalhar com Os Trapalhões?
Significava escrever para os melhores comediantes do país. Os filmes eram sempre recorde de bilheteria.

E no mercado, eram os que melhor remuneravam um profissional como você, roteirista?
Na época, roteirista de cinema ganhava muito pouco. Mas, como na época eu também ganhava pouco escrevendo para televisão, não era tão ruim assim. O mais legal era ver o seu nome enorme na tela do cinema. Isso sempre é muito bom.

Desenvolver um roteiro para o público infantil é muito mais difícil que para o público adulto?
Igual. Desenvolver roteiros é complicado para qualquer filme, principalmente comédias. É muito complicado manter o público rindo por oitenta minutos.

O quarteto seguia à risca o roteiro ou era só um ponto de partida para as improvisações de cada um?
Eles seguiam à risca e improvisavam em cima, quase sempre melhorando as cenas.

O Casamento dos Trapalhões, foi inspirado no filme Sete Noivas para Sete Irmãos, de 1954. Como foi trabalhar nessa adaptação?
A gente pegou a estrutura do filme e fez em cima um filme dos Trapalhões. É bem menos complicado do que sair do zero.

Que preceitos seguiu, para adaptá-lo à moda Trapalhões?
Mais gags visuais. Menos romance.

Em O Casamento dos Trapalhões, apesar do Renato Aragão ser a estrela principal, os outros três integrantes possuem bons papéis. Era difícil conciliar esses papéis no roteiro? Havia pressão por espaço, por tempo em cena?
Eu acho que Paulo e eu é que melhoramos os personagens dos outros Trapalhões nos filmes. A gente já fazia isso no programa, escrevendo esquetes só para os outros três.

As cenas de luta são frequentes nos filmes dos Trapalhões. Você acha que hoje, com a patrulha ideológica que existe, teria espaço para cenas desse tipo em um filme infantil?
Acho que sim. A Comédia não pode ter barreiras, qualquer tipo de barreiras. Mas sem pesar na mão. Por causa do público infantil, as brigas nos filmes dos Trapalhões parecem mais as brigas de palhaços no circo, procurando sempre ser mais engraçadas e engenhosas do que violenta.

Esse é um dos poucos filmes dos Trapalhões em que o personagem de Renato Aragão não sofre por um amor impossível. Uma das críticas mais frequentes em relação aos filmes dos Trapalhões era em relação ao roteiro previsível. E você, quais queixas mais ouvia?
Eu escrevi para os Trapalhões em uma época que as pessoas amavam o grupo, tanto no cinema como na televisão. As críticas eram poucas. E, como eu nem lembro, não devem ser muito importantes.

Era mais fácil escrever em tempos “politicamente incorretos” como aqueles? Hoje, seria impensável ver Didi chamando/insinuando a sexualidade de Dedé, Mussum chamando Didi de “cabeça chata”, Didi chamando Mussum de “pássaro grande”. Não é?
Totalmente. E Mussum sempre bebendo em cena? Hoje, isso é impossível. Tem o lado ruim, porque eu acredito que a Comédia tem que passar do limite sempre. Mas também tem o lado bom, porque lima piadas realmente preconceituosas, agressivas e sem graça alguma. É claro que existe uma linha fina entre esses dois lados.

Os Trapalhões na Terra dos Monstros é um dos filmes mais “massacrados” por todos os fãs dos Trapalhões. Além da cenografia fake, evidente até para as crianças, a história é surreal. Qual a sua avaliação a respeito desse filme?
Eu também não gosto do filme. Um dos motivos é que o meu trabalho foi bastante modificado no final. Eu entreguei um tratamento e nunca me chamaram para retrabalhar o roteiro. Acredito que um roteiro atinge a sua força total no terceiro tratamento.

Quem o modificou? Que aconteceu nesse trabalho? Reconhece esse trabalho na sua filmografia?
É verdade. Acho que foi o diretor. Afastei-me totalmente do filme. Não fui nem na estreia. Fiquei bem chateado com tudo isso. Mas é a vida.

Nesse mesmo filme há uma cena explícita de merchandising. O Bocão, garoto-propaganda de uma marca de gelatinas aparece no filme. Isso aconteceu em outros filmes dos Trapalhões também. Nessa hora, como fica o roteirista?
Eu não sou contra o merchandising, desde que seja legal. E, numa Comédia, se possível, engraçado. No filme, A Princesa Xuxa e Os Trapalhões tem um da Coca-Cola muito bom. Foi criado pelo diretor José Alvarenga Júnior.

De quem foi a ideia original de fazer um filme com essa temática de monstros?
As ideias dos argumentos são sempre do Renato Aragão. Ele deu sempre o pontapé inicial.

E, a partir dessas ideias, vocês começavam a trabalhar? Isso era feito em reunião? Vocês tinham liberdade para modificar alguma coisa?
Aconteciam várias reuniões com o Renato. A gente ia montando o roteiro, e ele aprovava e dava ideias. Tudo numa boa. Ninguém conhece melhor os filmes dos Trapalhões do que o Renato.

Em A Princesa Xuxa e Os Trapalhões, a história é uma fábula. Nesse caso, a liberdade de criação para você, roteirista, é ainda maior? Foi maior?
Esse é um dos filmes que eu escrevi de que gosto bastante. Criamos mundos novos. Todos os personagens estão bem apresentados, e o romance de Xuxa com o Renato funcionou.

Princesa Xaron (Xuxa Meneghel) pensa que todos são felizes. Do lado de fora, os príncipes Mussaim (Mussum), Zacaling (Zacarias) e Dedeon (Dedé Santana) se unem ao Cavaleiro Sem Nome (Renato Aragão) para combater Ratan (Paulo Reis). Foi sua a ideia de criar pseudônimos para os personagens?
Não lembro bem. Acho que foram criados pelo Renato Aragão, mas não tenho certeza.

Xuxa e Os Trapalhões em O Mistério de Robin Hood é o primeiro filme dos Trapalhões sem Zacarias. Como foi escrever um roteiro sem ele?
Uma certa tristeza. Mas, por outro lado, reforçamos a parceria Dedé e Mussum, que funcionou bastante. Esse filme tem uma ideia bem legal: todos os personagens possuem uma identidade secreta.

Mas, com isso, não perderam a identidade?
Acho que não foi isso. Foi um desgaste natural.

Tinha sentido fazer um filme sem a formação original?
Acho que sim. Gosto desse filme. Acho que tem que seguir em frente.

Você não acha que um filme sem um integrante da sua formação original tem mais a perder do que ganhar?
Acho. Mas acho também que tinha quer ser feito. Os Trapalhões continuaram mais um tempo. Só terminaram, quando o Mussum morreu. Aí, realmente, não tinha mais jeito.

A Xuxa já entra, inclusive, no título do filme. Foi uma forma encontrada para tentar cobrir a ausência de Zacarias?
Não. A Xuxa era uma estrela tão grande quanto Os Trapalhões. Possivelmente, foi um acerto comercial; mas justo.

Qual a sua opinião a respeito de Xuxa como atriz?
A Xuxa é puro carisma, além de ser linda. Acredito que ela funciona bem.

Os Trapalhões e a Árvore da Juventude foi criado e feito especialmente para comemorar os vinte e cinco anos dos Trapalhões. Em razão dessa efeméride, a ideia era criar um filme de impacto?
Acho que isso não foi pensado desse jeito. Era filme sobre ecologia e desmatamento, assuntos fortes na época.

Renato Aragão era muito ligado à questão ambiental. São vários os filmes com falas e abordagens a esse respeito. Era explícito esse desejo dele de colocar no roteiro essa temática?
Sim. O filme era sobre questões ambientais. Renato gostava de aventuras que tivessem por trás uma mensagem positiva do mundo, uma dose de esperança. A gente que escrevia embarcava nessa ideia.

Esse é o último filme do Mussum. Que tem a falar a respeito dele?
Mussum era simplesmente maravilhoso. Um dos melhores comediantes com quem eu trabalhei. Ele era do tipo que melhorava qualquer piada, qualquer fala engraçada, qualquer gag. Foi um sonho ter escrito para ele por tanto tempo. Um prêmio para um autor de Comédia.

Renato Aragão tem como característica o perfeccionismo. Ele acompanha todo o processo de produção do filme. Ele chegava a palpitar no seu trabalho?
Muito. Renato lia todas as versões e participava da criação, tanto na tevê como no cinema. Era ele que aprovava tudo. Mas numa boa.

O Cavaleiro Didi e a Princesa Lili foi seu último trabalho no cinema com Renato Aragão. Fale a respeito.
Eu entrei nesse praticamente no final, no último tratamento. Mas gosto bastante. Foi bom ter voltado ao universo do Renato Aragão.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular.
Era sempre divertido ir aos sets de filmagem. Eles tornavam tudo divertido. Principalmente o Renato Aragão. Eu lembro que, às vezes, espalhava estalinhos nos cenários para os atores pisarem. Acho que também é bom dizer que Renato tem um ótimo conhecimento de dramaturgia. Eu me lembro de um conselho muito bom que ele me deu sobre vilões: os vilões podem ser até simpáticos, mas em algum momento eles têm que mostrar para as pessoas que eles são ruins de verdade.

Os Trapalhões: Mário Cardoso


Mário Cardoso
Ator


Como surgiu o primeiro convite para trabalhar com Os Trapalhões? Ele se deu devido ao seu trabalho na telenovela Escalada (TV Globo, 1975), na qual interpretou o personagem Ricardo?
O primeiro convite partiu de um produtor de cinema. Ele produziu ...E as Pílulas Falharam, que seria o meu primeiro trabalho como ator. Só que esse filme foi lançado bem depois. Esse produtor foi fazer a produção de Robin Hood, O Trapalhão da Floresta (1974), com a dupla Dedé & Didi, e me sugeriu para o filme. Aí, começou tudo. Escalada foi bem depois, foi meu começo na tevê.

Quais as suas recordações do filme Robin Hood, O Trapalhão da Floresta?
As recordações são ótimas. Tudo novo, tudo desafiador, medo, vontade de acertar, adrenalina a mil, a satisfação de trabalhar com Dedé & Didi. Revi o filme; e isso me trouxe lindas recordações, principalmente por ter sido o primeiro filme, o primeiro trabalho maior.

Recorda-se onde essa produção foi filmada?
Lembro que filmamos no Parque Laje, em Furnas (RJ); mas não me lembro do local do casarão. Afinal, já se passaram muitos anos. E, depois de tantas outras locações, a memória me trai. E a sinopse do filme não me identificou todas.

Lembra-se de algum fato curioso nesse filme?
Acho que o mais curioso é que fui dublado nesse filme. A voz não é a minha. Na época, não tínhamos um bom som direto; e os atores se dublavam. Como eu estava começando, acharam melhor me dublarem, sem me consultar. E o mais curioso é que trabalho com dublagem há uns vinte anos. O ator André Filho, que dublou, entre outros, o sr. Hart da série Casal 20, foi quem me dublou.

Em seguida, você fez O Trapalhão na Ilha do Tesouro, filme baseado no livro A Ilha do Tesouro, escrito pelo britânico Robert Louis Stevenson (1850-1894) no ano de 1883. O curioso do livro é que foi o primeiro a mencionar os famosos símbolos da pirataria: o mapa, o “x” como marca de tesouro enterrado e o pirata como detentor de um papagaio e de uma perna-de-pau. A ideia era seguir à risca essa história?
Esse filme foi feito em 1974, e é claro que a trama central, a história original, serviu de base para a sua realização. Mas a adaptação foi livre, no sentido de inserir Dedé e Didi em outro espaço e tempo.

Esse filme contou com a participação da atriz baiana Zeni Pereira, que foi a primeira a interpretar a personagem Tia Nastácia. O fato aconteceu na primeira versão para televisão de O Sítio do Pica-Pau Amarelo (TV Tupi, 1952). Outro papel marcante de sua carreira foi a personagem Januária em Escrava Isaura (TV Globo, 1976). Quais as lembranças que possui dela?
A saudosa Zeni foi minha grande incentivadora nesse meu começo de carreira. E tive o privilégio de voltar a trabalhar com ela em Escrava Isaura, grande trabalho dela. Cheguei a combinar com ela de que, quando eu fosse pai, ela seria a madrinha. Mas, quando isso aconteceu, estávamos longe um do outro. E, logo depois, eu soube de sua passagem. Eu a considero minha madrinha na televisão. Ela fez força pra eu entrar na tevê. Mulher forte, positiva, autêntica e companheira... Aprendi muito com ela. Desejo amor e luz no caminho dela.

A Ilha das Cabras (onde está o tesouro) descrita no filme é, na realidade, a Ilha de Jurubaíba, local pertencente ao estado do Rio de Janeiro. A gravação foi realizada realmente ali?
Sim. Foi nessa ilha e em Itacuruçá. O veleiro era o Cruz Mar, que, na época, era o maior de sua categoria e que fazia passeios de Itacuruçá até Angra dos Reis.

Lembra de algum fato curioso nesse filme?
São muitas curiosidades nos filmes com os Trapa, mas uma cena marcou por ter causado uma certa preocupação a todos e a mim principalmente. A cena era no convés do veleiro e foi marcada para que o Dedé me pegasse na murada depois de uma briga. Ele teria que me segurar por uma mão do jeito que se segura no circo, no trapézio, só que não deu certo e tchibum... Mário na água. Tudo bem se não fosse a correnteza da entrada de alto-mar. Foi muita adrenalina e expectativa, até me resgatarem. Fui pescado literalmente.

Como é comum nos filmes dos Trapalhões, nas cenas com tiros dificilmente alguém é atingido. Mas, nesse filme, o pessoal exagerou um bocado. Na cena no trilho do trem, os bandidos (alguns deles são chineses) disparam inúmeras vezes em Zé Cação, Lula e Carlos. Sempre a uma distância mínima e não acertam um tiro sequer neles! Como analisa isso?
Os chineses deviam ser míopes. Não se esqueça de que era um filme infantil; e o que vale nesse tipo de filme é o movimento do bem contra o mal e não a violência real. A situação tinha que ser irreal mesmo. Em vários filmes americanos bem violentos, vemos isso toda hora: passam bom tempo atirando e explodindo, muitas vezes sem ferir ninguém.

Você trabalhou em filmes em que ainda não tinham nem Mussum e Zacarias. Em algum momento, surgiu a possibilidade de se tornar um terceiro Trapalhão?
Os dois primeiros filmes citados anteriormente, ainda não eram os quatro Trapalhões. Mas nunca me passou pela cabeça ser um dos Trapalhões, até porque eu sempre fazia o mocinho que disputava a mocinha com o Didi, marca registrada dos filmes dele. E também porque o “galã” dos Trapalhões sempre foi o Dedé.

O Rei e os Trapalhões foi baseado no filme britânico O Ladrão de Bagdá (1940), uma refilmagem de um filme mudo americano realizado em 1924 e estrelado por Douglas Fairbanks. Ambos os filmes foram inspirados na obra As Mil e Uma Noites. Os Trapalhões sempre faziam paródias de filmes. Que acha dessa linha que eles seguiram?
A marca registrada deles sempre foi parodiar todas as situações. E sempre de uma forma ingênua e cômica. Não tinha como fazer um filme sério com eles. Nós nos divertíamos muito trabalhando. O protocolo e o roteiro eram sempre quebrados.

A produção foi filmada parcialmente no Marrocos. Quais as suas lembranças dessa produção?
Tive o privilégio de fazer os dois filmes internacionais deles (filmados no Marrocos e Estados Unidos). Mas essa produção foi atípica. Aí, já estavam os quatro Trapalhões. Dá para imaginar as condições de se filmar lá, no mês do Ramadã? Tivemos todo o tipo de dificuldade para filmar lá, desde falta de autorização do local que queríamos filmar, porque cada aldeia tinha uma espécie de chefe que tinha autonomia para decidir, invalidando a autorização da capital. Foram vinte e oito dias em Marrakech, para filmarmos quatro ou cinco dias. E acabamos criando o deserto nas dunas de Cabo Frio (RJ). Foi um aprendizado: outra cultura, outro mundo... Grandes recordações.

Conta-se que as filmagens ocorreram durante o mês árabe do Ramadã, o qual, pela religião islâmica, é dedicado ao jejum e fica proibido o consumo de bebidas alcoólicas. No entanto, nos bastidores do filme, o Mussum, convidou todos a beber. É verdade?
As dificuldades foram muitas para podermos filmar, mas aproveitamos ao máximo essa viagem. E uma das muitas risadas que demos foi ver o Mussum tentando convencer o barman do hotel a servir uma cervejinha depois das dez horas da noite, o famoso “mé”. Ele não falava nem Francês e muito menos Árabe. Era cômico.

Carlos Kurt fez papel duplo: além de Jafar, interpretou o detetive Azevedo no futuro. Assim como ele, Dino Santana e você também interpretaram dois personagens cada um. Gostaria que falasse sobre Kurt e Dino Santana, sempre presentes na filmografia dos Trapalhões.
Eles faziam muito bem o papel de bandidos, fazendo o contraponto dos Trapalhões. Isso tanto na tevê como nos filmes e shows que faziam pelo Brasil todo. Eram os fiéis escudeiros dos Trapalhões.

Seu último trabalho com os Trapalhões foi em Os Saltimbancos Trapalhões, considerado um dos melhores trabalhos do grupo. Quais as recordações desse trabalho?
Esse foi o inverso do de Marrocos. Foram vinte e oito dias em Los Angeles, com muitas cenas nos estúdios da Universal Pictures. Foi um passeio/trabalho turístico. Com diretor e técnicos americanos. Aprendemos muito.

Lembra de algum fato curioso nesse filme?
Sempre são muitos fatos. Mas uma curiosidade foi encontrar, de manhã cedo, na hora do café, o Dedé. O hotel ficava nos estúdios da Universal. Ele tentava conversar com o ator Telly Savalas, que ficou muito conhecido do público brasileiro por interpretar o Kojak, numa série de tevê. O Dedé se apresentava e pedia um autógrafo ao Telly Savalas, mas por mímica. Aí, interferi e deu tudo certo. Foi hilário.

Gostaria que falasse o que representou para você trabalhar com Os Trapalhões, que carregaram, por muito tempo, o cinema nacional nas costas.
Além de ter sido o marco para o meu início de carreira, representou o reconhecimento do público infantil, que era o carro-chefe deles. Tive esse privilégio de trabalhar com uma turma que trabalhava brincando, com o humor em alta. Não havia estresse, todo o grupo interagia de forma positiva. Fizeram sucesso na tevê. E os filmes nacionais naquele momento não tinham muita aceitação, e os dos Trapalhões bombavam.

Quem era o maior comediante do grupo?
Acredito que cada um deles tinha o seu tipo de humor e o seu tempo de comédia. Mas as tiradas do Mussum eram impagáveis. Ele era muito gaiato.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Sempre foi perfeccionista no seu trabalho, e tudo tinha sua aprovação. Como eles aproveitavam todas as situações quando iam gravar uma cena, apesar de haver um texto e um roteiro, muitas das vezes essas cenas eram adaptadas, incluindo novas piadas em cima da hora. Aliás, isso foi o maior motivo de dúvida dos americanos, voltando ao trabalho realizado em Los Angeles. O diretor de lá queria um roteiro pronto pra ser executado, e o Didi queria mudá-lo a todo instante. Por força dessa criatividade dos Trapalhões, os americanos ficaram loucos.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Talvez por serem comerciais, por serem inocentes e sem conteúdo intelectual, talvez pelas altas bilheterias que incomodavam alguns. Quem vai saber? O sucesso do Didi incomodava. Mas a criançada gostava. E é isso que conta. O resto é o resto.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Lúdico, humor inocente e descompromissado politicamente com qualquer facção, com público bem característico e bem definido.

Qual era o diferencial de Renato, Dedé e Mussum?
Três humoristas de características diferentes, mas com uma só finalidade: o entretenimento. Didi introspectivo, Dedé descompromissado, Mussum o gaiato... E o Zacarias, não posso deixar de falar dele, era um doce de pessoa. Era a fórmula perfeita.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular.
Os fatos desconhecidos continuarão desconhecidos, por serem particulares e pessoais. Cada um tem o seu livre-arbítrio de abrir ao público ou não, e não serei eu que os divulgarei. Não seria ético. Mas uma curiosidade, não tão curiosa assim, mas verdadeira e que sempre presenciei: o brilho intenso nos olhos infantis, quando se deparavam com Os Trapalhões. Isso é impagável